sábado, 21 de fevereiro de 2009

O menino do lago


No Azul Profundo, a alma do cavaleiro pouco a pouco foi mergulhando...

Na beira do lago interior, o mundo começou a ficar gelado demais, espelhado naquela vida sem sentido. Dentro do Azul Profundo havia um sono igualmente íntimo, intenso, atroz... Naquelas águas frias, o corpo daquele cavaleiro imenso boiava num mar celestial...

Próximo ao bosque, o escudeiro do Dragão Negro esperava que aquela escuridão total cessasse para que ele pudesse reencontrar seu amo e Senhor. Criado por Lord Drago, o jovem Prodigal nunca conhecera seus verdadeiros pais. Desde menino fora ensinado a ser um leal servo do cavaleiro imortal. Seu verdadeiro nome desconhecia. Prodigal era um nome de guerra, como outro qualquer. Seu dever era sempre manter a chama dos dois escudos no céu, arremessados pela catapulta secreta, para que os valentes de qualquer reino temessem a chegada de Lord Drago.

Era noite dupla, no tempo e no espaço. Noite dupla nas horas e no céu. O eclipse era sempre considerado um mau presságio para os homens da realeza e também da plebe rude. Mas ele, que fora educado pelo cavaleiro do dragão negro, conhecia algumas das diversas coisas entre o céu e a terra, a partir das leituras feitas por Drago de um misterioso livro, como se fosse um oráculo: O Livro do Destino. Encontrado na tumba de uma múmia, o manuscrito muito antigo continha algumas perguntas e possíveis respostas. Seu uso dependia do bom jogo dos três dados mágicos que acompanhavam o texto milenar. Ao pensar com força em uma pergunta ou desejo, deveria o leitor jogar por sete vezes tais cubos mágicos, anotando seus resultados em uma árvore próxima, na areia, em qualquer lugar. Para cada combinação de arremesso de dados, se fosse par representava um sol, se fosse ímpar uma lua.

Quando seu Senhor jogou pela última vez os dados mágicos, a resposta à sua pergunta secreta teve o resultado de três sóis e quatro luas... A visão do semblante de Lord Drago, após ouvir do oráculo seu destino impressionou muito Prodigal. Nesse instante tinham passados exatos três sóis e três luas no céu. A quarta lua foi justamente a noite dupla encobrindo o Reino de estranhos de um jeito sem igual...

O jovem então, temendo pelo destino do cavaleiro, fez que seu cavalo e a montaria reserva de seu Senhor puxassem a catapulta até as margens de um estranho lago, formado de quando em vez pela força das águas de uma misteriosa Nuvem Passageira que cobre o céu do Reino de estranhos, toda vez que naquele curioso local há a programação de alguma festividade. Toda vez que tais festas religiosas ou pagãs acontecem por ali, cães e lobos surgem do nada, entre as pessoas, trazendo mau agouro aos habitantes da região...

Prodigal, na escuridão daquele tempo, foi então seguindo a margem do lago interior, vendo ao longe o brilho de um pequeno farol. Quando se aproximou da luminosidade, tratava-se somente de uma pequena tocha, cravada no solo, enquanto uma mulher de beleza rara, algo sobrenatural, emergia das águas, com seu cantil cheio, caminhando em direção ao corpo desfalecido de seu Senhor. Reconheceu-o, apesar da escuridão, por conta de uma pedra vermelha em seu peito, o famoso diamante Coração do Dragão, que o cavaleiro negro ostentava com orgulho e bravura a cada batalha vencida.

Insônia era o nome dado a mulher que trazia em seu cantil a água das profundezas do lago, para tentar salvar o guerreiro ferido de morte de seu Destino atroz.

Prodigal percebeu as pernas alvejadas de Lord Drago, mas o que de fato o matou foi um pequeno e afiado dardo, cravado bem fundo no coração do dragão. O jovem, ao primeiro instante não reconheceu a mulher, mas esta lembrou-se do menino do lago no exato segundo que o viu. Alguém por quem ela tinha grande afeição, diversos sóis e luas atrás, quando ambos eram muito jovens. Insônia - que quando menina desconhecia seus poderes, herdados das mulheres dos bosques - pediu num passado distante, quando da primeira vez que conheceu o menino, que este jamais envelhecesse até que ela pudesse reencontrá-lo. Este dia, na lei do eterno retorno chegou, e era para ela hoje, agora, já... Aquele pacto com as águas estava cumprido, e de agora em diante a juventude de Prodigal não seria mais a mesma... De volta à fonte da juventude, o jovem que jamais envelhecia teria que guardar em seu cantil muita água daquele lago se não quisesse envelhecer de uma vez só todo o tempo que lhe fora poupado pelo próprio tempo, por conta da afeição, do encanto e do encantamento daquela bela mulher...

Quando o jovem pisou de novo no lago, sem saber, quebrara o encanto do tempo. Mas outro encanto entre ele e Insônia mal estava para começar... Nenhum dos dois dissera uma palavra sequer. Nos olhos de cada um aquela sensação de déjá vu estava impregnada no ar, em seu entorno a bailar... Entre os dois, apenas o lago e o corpo sem vida de Lord Drago. A volta gradual do brilho da Lua trouxe de novo a todos os habitantes do Reino de estranhos o falso encantamento, e a certeza a Prodigal e Insônia de que tanto o real como o imaginário só o lago podia conceder ou retirar, velar ou desvendar...

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